A
Copa que precisamos
A
imagem não sai da minha cabeça: o Joseph Blatter com o envelope na mão,
enquanto na platéia estavam figurões da nossa política e principalmente
estrelas do melhor futebol do mundo (ao menos naquela época), todos tensos, com
o coração palpitando até que com sotaque carregado Blatter anunciou: Brazil!
A
euforia tomou conta de todos, brados, urros e abraços quebravam a formalidade
do evento para escolha do país-sede da Copa do Mundo de Futebol da FIFA para o
ano de 2014, o Brasil pela segunda vez seria palco da celebração máxima do
futebol mundial. Não só as autoridades brasileiras presentes bradaram e urraram
de felicidade, mas muitos, milhares de brasileiros aqui no Brasil comemoraram esta
escolha, afinal, sediar a Copa do Mundo não é pouca coisa.
Mas
em todas as coisas existem os “poréns”, e nesse evento que será sediado no
Brasil não é diferente, muitos poréns, muitos porquês e muitas interrogações
pairam e dançam no ar, sobre os estádios que estão sendo construídos, muitos
deles atrasados; sobre os aeroportos que deveriam ser erguidos para receber
os exigentes turistas estrangeiros, mas que como aviões sem motor, sequer saíram
do chão, ou melhor, do papel; sobre os quilômetros de novas linhas de metrô que
serpenteariam pelas cidades sedes, e que foram sendo reduzidas, e reduzidas,
até que se tornassem apenas retoques aqui ou acolá em linhas já existentes ou a
construção tímida de pequenos “metrôzinhos” que não solucionam nem o problema
do transporte coletivo brasileiro, quanto mais absorver o contingente que aqui desembarcará
durante o tão pomposo evento.
Já
ouvi, e você, caro leitor, também deverá ter ouvido muitas e muitas exaltações
à Copa do Mundo de 2014, dizem que trará desenvolvimento para nosso país,
embora na minha jovem vida eu ainda não conheça nenhum caso de algum país sede
anterior ter alcançado desenvolvimento pelo simples fato de sediar uma Copa.
Pelo que já percebi, ocorre o contrário: países desenvolvidos é que sediam a
Copa, exatamente por estarem desenvolvidos e terem dinheiro. No nosso caso,
temos dinheiro, mas não somos desenvolvidos. Alguns outros deliram diante da
possibilidade da Seleção Brasileira levantar mais um “caneco”, dessa vez em
casa, para curar o trauma de 1950, quando vimos (embora a maioria de nós não
estivéssemos lá) o Uruguai levantar o título e profanar o novíssimo templo do
futebol brasileiro: o Estádio Maracanã, feito especialmente para consagrar a
nossa seleção. Muitos sonham em conquistar mais um título mundial e sermos
reconhecidos definitivamente como o País do Futebol. Não quero parecer chato,
nem estragar o prazer de ninguém, mas por mim, eu trocaria dois títulos
mundiais pelo desenvolvimento econômico e social que muitos países que nunca
levantaram uma taça têm, como os Estados Unidos, por exemplo.
Para
que a tão maravilhosa Copa aconteça, serão necessários muitos investimentos.
Qualquer torcedor brasileiro está careca de saber que nossos estádios estão aos
cacos, tanto é, que no momento em que o Brasil foi eleito o país-sede da Copa
de 2014 o nosso melhor estádio ainda era o Maracanã, o templo profanado da Copa
de 1950. Quando do anúncio do Brasil como país-sede, o Governo Federal fez
questão de deixar bem claro que os investimentos necessários para construção de
novos estádios e de obras de infraestrutura indispensáveis à realização do
evento, viriam da iniciativa privada, o que hoje sabemos ser balela. A maior
parte dos investimentos virão diretamente do Governo, pois as empresas
descobriram cedo que investir em algumas cidades sedes era a maior “furada”,
pois, muitas delas não tem condições de fazer com que os novos estádios rendam
lucros aos investidores privados, afinal, muitas destas cidades sequer tem
tradição no futebol.
A
Copa de 2014 custará aproximadamente R$ 27 bilhões, penso que seria
desnecessário dizer que isso é muito, muito dinheiro, principalmente se considerarmos
que esse dinheiro está sendo gasto para levantar estádios num país onde a
maioria das escolas sofrem com a falta de estrutura, sem falar nas favelas que
formam as periferias das cidades sedes e de muitas outras grandes capitais
brasileiras. Bilhões estão sendo e serão gastos na realização de um evento que
poderíamos muito bem viver sem, enquanto apenas 52,2% dos municípios
brasileiros possuem serviço de esgoto sanitário. Todos os dias eu vejo
reportagens na TV denunciando a superlotação e precariedade dos serviços de
saúde pública no Brasil, e a resposta é sempre a mesma: Não temos estrutura, médico,
ambulância, leito, UTI, medicamentos e tudo o mais para atender a demanda que
cada dia cresce mais. Outro dia vi que um paciente teve que ficar um dia com
uma cirurgia aberta porque no hospital não tinha fio cirúrgico. Falta tudo no
nosso sistema de saúde pública, mas dinheiro para erguer estádios para a Copa
não falta, alguns desses complexos serão utilizados pelos clubes de futebol,
depois da Copa, para ganharem milhões e milhões e contratarem estrelas, que se
exibirão nos seus automóveis importados, enquanto nós mortais nos esprememos
nos abarrotados coletivos, e serão venerados por aqueles que morrem nas
intermináveis filas dos hospitais públicos.
Muitos
justificam os gastos dizendo que temos que fazer um bom evento pois os olhos do
mundo estarão sobre nós. Estou preocupado exatamente por causa dos olhos do
mundo, imaginem o que verão. Quantos presídios superlotados eles não verão? E
nossas rodovias? Imagine que um europeu ou americano resolva fugir do roteiro
futebolístico e decida visitar uma escola pública? Ou então seja picado pelo
infame Aedes Aegypti, que por si só
já é uma vergonha, e tenha que buscar atendimento num dos famosos CAIS espalhados
pelas nossas capitais?
Enquanto
nossos políticos e cartolas roubam nossos impostos para construírem estádios de
nível europeu para os estrangeiros jogarem durante quase trinta dias, nossas
crianças estudam a vida toda em escolas de nível africano. Somos famosos pelo
Futebol Arte, os dribles incríveis, as pedaladas e arrancadas que nossos
jogadores utilizam em campo, mas por outro lado levamos vergonhosas “canetas”
do analfabetismo, “chapeuzinhos” da miséria e “olés” do atraso.
Já
que a Copa consegui animar tanto nossas autoridades a ponto de se disporem a
fazer tão vultuosos investimentos de dinheiro público, sugeriria então que criássemos
as Copas da Educação, da Saúde, do Saneamento Básico, do Trânsito, da
Infraestrutura, da Segurança Pública, enfim, tenho certeza que não faltaria
motivos para Copas por pelo menos umas duas décadas. Antes do finalmente, quero
deixar bem claro que como a maioria dos brasileiros eu gosto de futebol,
acompanho meu Goiás sempre que posso, e mesmo quando não posso dou um jeitinho,
sou torcedor incontestável da Seleção Canarinho, não sou inimigo do futebol. Mas
acredito que mesmo sendo uma paixão, não é justo, coerente, ético e muito menos
humanos investir em futebol e deixar pessoas morrerem nas filas de hospitais ou
crianças crescerem analfabetas. Gosto de futebol, mas sou acima de tudo, um
torcedor da dignidade.
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